quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Chrysler Norseman 1956


Ao se estudar exemplares de automóveis únicos, é inevitável encontrar criações que se perderam para sempre. Guerras, turbulências políticas e econômicas, acidentes ou meramente ferrugem causaram o desaparecimento de carros únicos de maneiras obscuras. Algumas vezes, carros que se pensava estarem perdidos para sempre, milagrosamente, reaparecem para o público. Mas e um carro que, à pesar do conhecimento de seu paradeiro por todos esses anos, mesmo assim foi considerado perdido por meio século? Eis a história do Chrysler Norseman e seu destino infeliz.
No início da década de 50 a economia italiana ainda se recuperava da guerra finda e o preço da mão-de-obra era baixo, especialmente se comparado ao estadunidense. Considerando isso e a tradição consagrada de construção de carrocerias dos italianos, não é surpreendente que, quando a Chrysler decidiu produzir protótipos para estudos e clínicas, olhou com bons olhos para a Itália. Em 1950, C. B. Thomas, chefe do departamento de design da Chrysler, fez contato com a montadora italiana Fiat pedindo sugestões sobre com qual empresas poderiam firmar contrato. Os italianos deram dois nomes: Ghia e Pnin Farina.
No final a Ghia acabou firmando o contrato - graças à qualidade de manufatura e menores custos de produção em detrimento de melhores propostas de estilo, uma vez que ambas as companhias deveriam construir um carro baseados num mesmo modelo de desenhos enviados por Detroit. Isto ocasionaria um ponto de virada na história da pequena companhia de Turim, uma vez que esse contrato proporcionava à Ghia uma excelente oportunidade de apresentar ao mundo todo seus projetos com todos os custos cobertos então pela Chrysler.
Após o desenvolvimento de alguns protótipos e foras-de-série especiais, em 1956 a Chrysler finalmente encarregou a Ghia de construir um "show car" destinado a exposições. Deveria ser o "carro mais automatizado do mundo". O projeto tem sido usualmente creditado a Virgil Exner, entretanto na realidade maior parte do trabalho foi feito por um de seus subordinados - Billie Brownlie.
Era um projeto inovador, sua característica mais marcante era o teto suspenso, suportado apenas pelas colunas traseiras. Não havia colunas laterais (nem ventarolas, ausência incomum para a época) e a frente do teto fixava-se diretamente sobre um pára-brisas desestruturado. Para tornar as coisas ainda mais complexas, havia um teto-solar elétrico instalado. O interior possuia quatro bancos revestidos em couro e um jogo de mostradores futurista, acrescido de pintura luminescente na parte posterior dos bancos dianteiros como uma forma alternativa de iluminação. O carro era completamente operacional, com um motor Hemi 331 pol³ V8 de 235 hp e transmissão automática Powerflite de duas velocidades acionada por botões. O chassis provavelmente era derivado do Chrysler 300.
A Chrysler encomendou o carro em verde escuro, com interior em verde e cinza, enquanto que de acordo com Exner ele deveria ser pintado de prata. Os repórteres que viram o carro ainda na Itália, antes de ser embarcado, escreveram que este era pintado em dois tons de azul com couro vermelho e interior dos assentos em preto.
Desnecessário mencionar que um projeto de tal complexidade demanda muito tempo e dinheiro para sua execução. Isto custou à equipe, liderada por Sergio Coggiola, quinze meses de trabalho e custou a Chrysler mais de 150,000 dólares para terminar o Norseman. O projeto foi concluido dentro do tempo previsto e em 17 de Julho de 1956 o Norseman, cuidadosamente embalado em uma caixa de madeira, foi embarcado no interior de um luxuoso navio italiano que fazia a linha Genova - Nova Iorque. O nome do navio era Andrea Doria.
Em Highland Park, Michigan, a equipe de design da Chrysler aguardava ansiosamente o novo "show car" que planejara ser a estrela do circuito "auto show" de 1957. Mesmo tendo projetado ele, nenhum deles havia de fato visto o modelo pronto ao vivo. Ao invés do carro, no entanto, receberam a notícia de que o Norseman havia sido perdido para sempre.
Na manhã de quarta-feira, 25 de Julho de 1956, Andrea Doria rumava ao oeste atraves da baia de Nova Iorque. Era a última noite do cruseiro, e o navio era esperado para atracar na manhã seguinte. Às 11:10 da noite, a 60 kilômetros da costa, Andrea Doria colidiu, em meio a uma espessa neblina, com o navio suéco de passageiros MS Stockholm. Graças a um rápido e profissional resgate, apenas 53 das 2500 vidas a bordo foram perdidas. Onze horas após o ocorrido o navio italiano afundou, 72 metros até o leito do oceano.
Desde então apenas uma pessoa viu o carro. Em 1994 o famoso explorador de naufrágios David Bright durante uma de suas numerosas expedições encontrou o que escreveu como a "carcaça enferrujada" do Norseman. De acordo com sua descrição, a posição do carro dentro dos restos do navio deixa quase certo que ninguém mais o verá novamente. David Bright morreu em 2006 por descompressão após outro mergulho aos restos de Andrea Doria.
Se houvesse chegado aos Estados Unidos, certamente teria influenciado os desenhos dos automóveis dos finais dos anos 50 e começo dos 60. Infelizmente, apenas algumas fotos de época restaram.